domingo, 10 de abril de 2011

Juventude: você sabe o que é?

Sábado à noite é um momento incomum no decorrer cronológico da semana. Não termina no sábado. Prolonga-se através das primeiras horas do domingo e é você, junto ao sono e o cansaço demarcando o final deste momento, quem decide pela sua cerimônia de encerramento. Serve até como piada no final da festa, quando se combina algo para o domingo, amanhã, e sempre surge alguém para lhe dizer, em tom jocoso e desnecessário: “amanhã ou hoje?”, tamanha a ilogicidade do sábado à noite.
Esta noite, ao chegar em casa depois de sair com os amigos, comecei o ritual do final da noite de sábado. Não foi a melhor e nem a pior das noites. Cheguei em casa e logo me vesti na roupa do sono ocioso que inaugurará o domingo.
Com um desajeito dos dedos, arranquei da testa uma espinha. Logo, uma gota de sangue começava a escorrer no rosto refletido no espelho e houve aquele pequeno latejo, doendo apenas o suficiente para me lembrar de que há dor. Como são úteis as espinhas quando se tem 20 e poucos anos de idade, nos servindo como sinal (dentre outros possíveis) de uma juventude que um dia começou e ainda não terminou. Porém, tornar-se capaz de vê-las como úteis é também sinal de que as coisas já não são mais exatamente as mesmas desde o surgimento das espinhas...
Acho que estou contaminado pela terceira releitura de “O Apanhador no Campo de Centeio”, esta narrativa da juventude e, esta última, uma invenção que ninguém sabe ao certo definir ou explicar. Nem eu.
Tenho pesquisado em algumas referências, conversado com pessoas de quem sempre gostei de ouvir opiniões, e o resultado é a mesma média: ainda que haja algo da cultura, do mercado, do período histórico, da biopsicossocialidade, juventude é uma experiência. Há aqueles que dizem ser a juventude um momento de rompimento com o que se estabeleceu até então. Mas, ora, quando na vida não se está à mercê de rompimento com o que há supostamente estabelecido? O mesmo se aplica aos partidários da juventude como momento de experienciar o novo. Se tomássemos estes argumentos, poderíamos concluir que a juventude é a vida toda.
Conclusão tentadora. Mas as espinhas (aquelas da juventude) não permanecem pela vida toda. Permanecem, no máximo, como cicatrizes ou pequenos pontos destacados no rosto de alguém presente nas fotografias de outrora. É então que esta pessoa dirá “como eu era jovem”, e poderá saber, para si, o que é a juventude. Escolher continuar a ser jovem já é outra história...
Eu fico feliz por ainda ter espinhas, mesmo combatendo-as pela via estética e sabendo que, um dia ou outro, elas partirão. Não nos precipitemos, vivamos nossas diferentes juventudes. Elas são como os sábados à noite; e nesta noite há uma bela lua no céu, expondo um sorriso sarcástico no canto da boca que nos diz “você não sabe de nada”.

["você não sabe de nada", 9/4/2011]

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Aprendi com O Poderoso Chefão...

Resolvi, neste final de semana, assistir à obra "O Poderoso Chefão". A primeira parte da trilogia foi lançada em 1972, a segunda em 1974 e a terceira em 1990, sempre sob a direção de Francis Ford Coppola.
Nem sempre me interessaram estes filmes sobre a máfia. Mas eu mudei de idéia, porque não são necessariamente filmes sobre a máfia. Agora, tenho mais um anti-herói (Vito Corleone) na minha lista dos prediletos. Aliás, não apenas um anti-herói, mas toda uma família anti-heróica, pois, apesar da ambientação mafiosa dos 3 filmes, trata-se de um drama familiar, um romance de costumes e tradições passadas pelas histórias de gerações em uma família ítalo-americana. De modo geral, o retrato é fiel a esta face (dentre várias outras possíveis) do que têm sido o processo de emergência e tomada de forma do Novo Mundo em sua cultura, política, economia etc.
[Vito Corleone, interpretado por Marlon Brando]


Com a trilogia de "O Poderoso Chefão", podemos observar que:
- nenhuma tecnologia 3D atual tornará o cinema mais real do que a atuação de Marlon Brando no primeiro filme
- máfia é um mercado aberto a negócios, sejam quais forem; basta saber negociar
- se der tudo errado, a máfia ainda estará lá
- máfia = família
- família é um lugar simbólico, demasiadamente simbólico...
- favores são dívidas
- negócios e afetos, misturados, dão certo e errado
- Marlon Brando é um ótimo ator (ok, precisava repetir isto, só para enfatizar!)







Para todos aqueles que cresceram em uma família de italianos (ou descendentes), indico estes filmes. Para todos aqueles que duvidam se o crime compensa, eu indico que assistam. Para aqueles que leram Freud em "Psicologia das Massas e Análise do Eu" ou "Totem e Tabu", eu indico. 
Enfim, para todos aqueles que gostam de cinema, esta não é uma oportunidade possível, mas sim, uma referência obrigatória.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Mas só chove...

...enquanto isso, fotografo. Afinal,

Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem; cada um como é.

(Fernando Pessoa - Alberto Caeiro, 1915)


Aqui estão três das minhas fotos favoritas destes recentes dias (clique nelas para visualizar em melhor resolução).
Chove desde o dia 31/12/2010.
Seja noite:

[Lua entre nuvens, 13/1/2011, por volta das 23h]

Ou seja dia:

[planta e o movimento das gotas, 3/1/2011, por volta das 13h]


[antena à espera de um sinal, entardecer nublado, 8/1/2011, por volta das 17h]

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Réveillon, réveillez-vous

[céu & sol entre nuvens, 31/12/2010]
"The sun is the same in a relative way"  (Time, PINK FLOYD)


Tentei criar algumas linhas que gostaria de compartilhar com vocês, mas descobri que Carlos Drummond de Andrade já havia feito isto antes, de maneira muito melhor e em linhas de poesia.


Receita de ano novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.


É isto. Que neste réveillon (do francês, despertar) pare de cochilar este Ano Novo a respeito do qual cada um de nós premoniza, que cada um possa despertar para um novo tempo de viver - tempo, este, que não é futuro nem passado, mas um constante presente.
Boas festas!

sábado, 25 de dezembro de 2010

Natal e o inexplicável

Hoje é dia 25 de dezembro. Dia de Natal. Para alguns, o dia mais esperado do ano e, para outros, um dia qualquer. Mas eu não pretendo aqui me atar à religião, história ou crítica social.
Gostaria apenas, nesta ocasião, de fazer alguns comentários breves sobre este dia e me utilizarei do filme "O Estranho Mundo de Jack", um tipo de conto atual de Natal e de horror, produzido pelo fantástico talento de Tim Burton.
Em primeiro lugar, destaco o retratado contraste de personagens que vivem no contexto do Halloween (o dia dedicado à temática da morte e terror) que acabam por se envolver com as criaturas do Natal (o dia dedicado à temática do nascimento e felicidade). A estranheza entre os contextos é tão exacerbada quanto a dependência de um para o outro, fazendo parte das inevitáveis dualidades a que chegamos quando pensamos em alguns assuntos...


E, ainda que muito se indague, é impossível explicar totalmente o milagre do nascimento ou mistério da finitude de uma vida. Vivemos colocando-nos neste intervalo entre um início e um fim: uma relação.


Trata-se de uma jornada igualmente inexplicável em busca daquilo que desejamos. Acho que o melhor nome para aquilo que promove, transpassa e demarca esta relação é o amor.
Assim, gostaria de dizer a vocês que neste Natal, tal como em outros dias em que se almeja a felicidade, tanto quanto para aqueles dias em que perduram as tristezas, não se esqueçam disto: há sempre um outro lado possível e imprevisível, e há, acima de tudo, o amor. Amem; ou hoje, para aqueles que assim preferirem nomear, feliz Natal.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Afinal, o que querem as mulheres?

Ao longo dos últimos dias acompanhei a microssérie “Afinal, o que querem as mulheres?”, transmitida pela Rede Globo em 6 episódios e dirigida por Luiz Fernando Carvalho. A história tem como personagem principal André Newmann, um psicanalista que elabora seu doutorado tentando responder à pergunta que dá nome à série e que, além disso, é um dos principais questionamentos do trabalho de Freud, sempre presente na história da psicanálise. Mas, obviamente, este é um assunto que surgiu muito, muito antes de Freud e suas descobertas...


Quando vieram me falar a respeito desta série, fiquei curioso. Foi interessante saber que veiculariam na tv aberta um seriado com uma das temáticas principais remetendo à psicanálise. Certamente, referências psicanalíticas (e, destacadamente, Freud) tornaram-se ícones da cultura popular e não é de hoje que eles aparecem em obras de ficção, documentários, notícias etc.
Porém, é muito delicado levar ao grande público um assunto tão diverso. O trabalho na psicanálise é um trabalho que causa espanto e choca quem se propõe a escutar, pois é um trabalho que envolve aquilo que não se diz, que não se pode dizer ou, ainda, que não se sabe dizer; o que pode gerar precipitações, conclusões e convicções que muito fogem da proposta original.
Exibiriam um seriado, e não um seminário psicanalítico. Ainda que fossem levantadas questões de cunho psicanalítico, estas não seriam aprofundadas o suficiente para evitar desarranjos de entendimento. Mas uma informação me tornou mais esperançoso: o diretor seria Fernando Carvalho. Acompanhei sua microssérie anterior na Rede Globo, “Capitu”, baseada na obra de Machado de Assis. Hoje, após um ano desde sua exibição, ainda não tenho palavras para descrever o quanto me apaixonei por aquele trabalho.
Por ser um excerto da obra de Machado de Assis levada ao grande público, também foi receoso imaginar qual tipo de reação aquela série causaria. Mas o resultado foi incrível, sensacional, inconfundível; não há com quem eu fale a respeito e não ouça ótimos comentários. Se o diretor e sua equipe souberam lidar tão bem com Machado de Assis, por que não o fariam novamente, desta vez envolvendo parte do trabalho freudiano?
Fico feliz em dizer que o resultado de “Afinal, o que querem as mulheres?” muito me agradou. Trata-se de uma história cujo desenrolar se dá como em qualquer outra história contemporânea, sobre relações e costumes, romance, família, profissão e conflitos, porém, carrega consigo detalhes e falas muito pontuais, eu diria, pois sempre remetem às questões da feminilidade, da “invenção” e constante atualização da mulher e o quanto isto se insere, direta ou indiretamente, no cotidiano de qualquer pessoa. É interessante observar na série, também, que várias referências ao feminino se desdobram para além da psicanálise, muito transitando no terreno da arte, por exemplo.
Demonstra-se, de uma forma muito bonita, que é antecipada a pergunta sobre o que querem os outros, pois em sua origem centra-se a questão “o que eu quero?, o que eu desejo?”. Che vuoi? é o que Lacan (que aparece na série sob a forma de um engraçado e caricato boneco animado, junto a Freud, Jung e Reich) utiliza para designar este questionamento.
Recomendo a todos que assistam a série. Seja pela psicanálise, seja pelo potencial e beleza artística, seja pela simples curiosidade corriqueira, seja para passar o tempo ou nem que seja para instalar a pergunta em si: “o que queres?”


domingo, 19 de dezembro de 2010

Mas... um blog?

Hoje resolvi criar um blog. Há certo tempo venho planejando isto, mas dois motivos principais me impediam: tempo e inspiração. Talvez só a partir de agora poderei levar a idéia adiante – e que seja eterno enquanto dure.
Mas... por que um blog e a opção pela escrita?
Vejo a escrita como uma das exposições mais íntimas que alguém possa realizar e simbolizar. Ao leitor é concedido caminho àquilo que há de mais subjetivo no escritor, ainda que não seja utilizado “eu” ou “nós” em sua produção; basta que baste uma meia palavra para que haja entendimento.
Expor-se em um blog, então? Este é um dos vícios contemporâneos, manifestação parcial do espírito do tempo em que vivemos: mostrar-se a todo um universo através de um pequeno ponto de ancoragem passageiro. É mais do mesmo, do idem, idem, idem na tentativa por singularidade. Uma contraditória singularidade do lugar-comum.
Precisamos de algo mais do que exposição para que haja singularidade. Expor-se requer alguém que observe e, adiante, aprovação dos olhos de quem vê. Eis aí a ancoragem passageira e dependente que se enfatiza nas relações de hoje em dia.
Entretanto, somos livres (e de uma liberdade sensacionalista, na web). Não nos obriguemos à autorização para existirmos. Que tal, a mim e ao leitor, enquanto passar por esta ancoragem, que se estratifique a coragem da palavra lida neste ponto, que se some e produza algo único destes vários artifícios conectados? Que tal içar a âncora do porto seguro e partir para a precisão de navegar?
O destino é incerto e certamente imprevisível. Bon voyage, desde já.
Licença Creative Commons
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